Luto

A minha experiência com o luto

Não falo do luto sem nunca ter passado por ele. Pelo contrário.

Talvez tenha sido pelo confronto com a morte, que me apercebi que teria de resgatar em mim uma parte que tentei combater: a sensibilidade

Tinha 14 anos quando o meu avô materno, que era como um segundo pai, morreu. Saiu de casa para o hospital e nunca mais o vi. A ausência instalou-se de tal forma que a minha mãe e avó entraram em depressão profunda. Alguém as tinha de ajudar, por isso eu não podia estar a sofrer. Acredito que a minha irmã tenha sentido exatamente o mesmo. Assumimos o papel de cuidadoras, juntamente com o meu pai, desorientado, devido à perda do seu próprio negócio.

Onde ficámos nós? Algures bem no fundo. Mas a força veio e avançámos. Bloqueei sentimentos de tal forma, que mais tarde se viriam a ressentir no corpo, através de inúmeros sintomas. Ninguém nos preparou para isto. Ninguém nos preparou para a perda de um pilar.

Anos mais tarde, subitamente, a minha avó materna foi diagnosticada com uma doença terminal em último grau. Devido à resiliência da minha mãe, altamente traumatizada com a morte do pai, conseguimos a ajuda preciosa dos cuidados paliativos. Os cuidados paliativos ainda estavam muito no início em Portugal e eram feitos de forma voluntária. Posso dizer que foram a nossa salvação.

Quer a Dra Isabel Neto, a Dra Isabel Leal, quer a querida e ainda presente na nossa vida Enfermeira Hirondina, ensinaram-nos que a morte é um processo para todos e que pode ser feito sem dor. A minha avó morreu em casa sempre acompanhada, sem dor ou sofrimento. Nós sentimo-nos amparadas. 

Toda esta última experiência mudou completamente a minha maneira de encarar a morte. Voltei a perceber toda a dimensão extra corpo que existe neste processo. Voltou-me à mente o trauma da morte do meu avô, que me levou a conhecer a terapia regressiva.

Por isso, deparei-me com a morte muito cedo. Com o luto, com a dor da inexistência. Com o desamparo, com a solidão. Mal sabia eu, na altura, que morreriam também, precocemente, o meu pai e a minha mãe. No entretanto, morreriam os meus tios avós, que eram a família mais chegada. Morreria o meu tio avô, que morava nos Estados Unidos, de quem não me despedi e de quem tanto gostava.

Mal sabia eu, que tão cedo me sentiria completamente órfã. Mal sabia eu que toda esta experiência me serviria para aprender ferramentas para mim e para os outros.

Mal sabia eu, que a morte me iria transformar.

You may also like...

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *